NOVIDADE

28/12/2015

Jataí (GO): População se revolta com destruição de um patrimônio histórico "na calada" da noite


Jataí (GO) - Centenas de pessoas, uma parcela expressiva da população de Jataí, município da região sudoeste de Goiás, ficou indignada, revoltada até, após tomarem conhecimento sobre a destruição de mais um patrimônio histórico e cultural da cidade. Desta vez, o alvo do desrespeito e da "vandalização" da identidade histórica de uma das cidades mais importantes cidades goianas, foi um casarão colonial construído no início do séxulo XIX, localizado no cruzamento da avenida Goiás, com a rua Zeca Lopes, no centro comercial da cidade, e que pertenceu à ex-vereadora Cidália Vilela, falecida aos 86 anos, em 27 de janeiro de 2012. Cidália Vilela deixou três filhos, Célia, Selmar e o DJ José Flávio. Cidália tinha outras duas irmãs muito conhecidas na cidade, também já falecidas.

Desde a manhã do domingo, 27/12, moradores de Jataí estão usando as redes sociais para criticar protestar contra a demoloção. Alguns internautas chegaram a afirmar que o prédio foi demolido às escondidas ainda na madrugada deste mesmo dia. A internauta Iolanda Silva, chegou a insinuar - após dizer que é amiga de uma das pessoas envolvidas no caso - que o local onde existia o casarão "deverá" abrigar uma galeria de lojas (veja print da postagem em anexo).


Foto do casarão em 1920.
O internauta Rafael de Melo, em sua rede social Facebook contou que "esta casa, onde morou Flávio Francisco Vilela (ex-vereador jataiense), já pertenceu a Ulderico Cornélio Brom e seu irmão Padre Brom. Na placa, na entrada, lê-se (embora ilegível) Royal Club. Esse imóvel foi sede do Cartório do 1º Ofício durante anos e ponto de hospedagem de autoridades como o chefe da Igreja Católica em Goiás, presidente do Estado e secretários. Foram também realizadas seções da câmara enquanto uma de suas transições.Foto da década de 1920. Deveria ter sido tombada... E não foi?", escreveu.




A indignação de Rafael Melo não parou por aí. Ele escreveu: "Com isso notamos que a mesma teve notável participação na história de nossa cidade, história esta que resta pouco para se ver, pois os governos anteriores não tiveram a preocupação em preservar. Agora mais uma vez um pedaço desta história foi deturpada, mais uma página da história acaba de ser arrancada em nome do poder econômico. No lugar, somente um vago terreno limpo, uma ferida no centro da cidade. Progresso? Não acredito. A poucos metros dali, uma enorme construção abandonada há décadas, enfeia o centro da cidade, fora outros inconvenientes, então porque não demolir aquele?..." (Rafael de Melo, pelo Facebook).



Também pelo Facebook, o internauta Rogério Fideles, lembrou: "Como tive amizade com Dr. Aristóteles de Rezende, médico e ex-prefeito de Jatai. Em conversa, ele me disse que por falta de hospital na época, aquela casa serviu para esse fim durante um certo tempo." (Rogério Fideles, pelo Facebook)




 A internauta Flaviane Baldo Scopel usou um tom irônico para manifestar sua indignação. Ela parabenizou todos os responsáveis pela agressão à história de Jataí, e escreveu: "Hoje, dia 27/12/2015, perdemos um grande patrimônio histórico de nossa cidade! Foi DERRUBADO, e aquelas paredes com tantas histórias se perderam para sempre. Parabéns a todos os envolvidos: aos que compraram e aos nossos gestores, que nada fizeram!!!" (Flaviane Baldo Scopel, pelo Facebook).






Ainda no Facebook, Flaviane Scopel fez um raciocínio lógico em uma outra postagem sua, onde escreveu: "Escolheram um domingo de manhã, numa época em que todos estão envolvidos com as festas de final de ano ou viajando, para que ninguém tentasse evitar que fosse derrubado. Isso por si só já demonstra que sabiam a contrariedade que isso traria, mas pouco se importaram!" (Flaviane Baldo Scopel, pelo Facebook).



A internauta Elci Teixeira também foi uma centenas de pessoas que usaram as redes sociais para manifestar indignação. Ela escreveu: "A cultura da maioria dos brasileiros, e principalmente do jataiense, não é de conservar patrimônios, portanto, é ruim mas infelizmente é isso. Até as lixeiras que se colocam nas praças são destruídas ou então se joga o lixo no chão ao lado da lixeira. É tanta coisa errada, que derrubar uma casa que faz parte da história da cidade é a coisa mais simples.Isso é falta de cultura e educação de um povo!" (Elci Teixeira, pelo Facebook).




Deste casarão, agora, só restaram lembranças.
DENÚNCIA PÚBLICA - A internauta Mirella Lima, também pelo Facebook mostrou toda sua revolta e indignação. Segundo ela, a demolição aconteceu "na surdina", durante a madrugada. Assim, ela escreveu: "...nessa madrugada demoliram às escondidas, um casarão histórico em Jataí. Um dos últimos em estilo colonial. e ninguém faz nada! Patrolas estão aqui a todo vapor, nenhum fiscal. Me disseram que vão construir lojas... (daria pra construir lindas lojas, restaurando a casa e dando novo uso, mas a mentalidade dos "investidores", não vale a pena discutir pra não encher minha boca de merda, pois isso que eles são!. Patrimônio histórico tombado, agora todo no chão! Se muito, os proprietários irão pagar uma multa e viverão felizes para sempre, vendendo artigos de "luxo" para uma sociedade hipócrita, que não sabe reconhecer o valor de sua história, de seu passado! COVARDES! COVARDES! COVARDES! (Mirella Lima, pelo Facebook).

Nos comentários de sua postagem, Mirella Lima faz uma denúncia pública. Segundo ela o casarão colonial que pertenceu à ex-vereadora Cidália Vilela, membro da família do deputado federal Leandro Vilela, pré-candidato à prefeitura de Jataí em 2016, "era tombado! mas eles forjam documentos e alvarás! Não vou ficar quieta. Vou na prefeitura! Sei o nome de todos "os bois" responsáveis, e eles terão que pagar por isso! O mais difícil é quando a prefeitura é cúmplice dos "donos" da cidade." (Mirella Lima, pelo Facebook).



VEREADORES CONIVENTES? - A denúncia foi reforçada pelos comentários de outro internauta, o Regiandro Rezende, que escreveu: "Segundo dizem, a prefeitura tombou, a proprietária vendeu mais barato porque estava tombado, após a compra a prefeitura destombou para o novo proprietário fazer isso aí. Na verdade deram foi um tombo em todo mundo, na antiga proprietária e na memória cultural da sociedade. Mais um ponto para o "desenvolvimento." (Regiandro Rezende, pelo Facebook). E, atendendo à uma solicitação minha, o ex-vereador de Jataí, advogado Ediglan Maia, me repassou a informação de que o "destombamento" do casarão aconteceu em setembro deste ano. Aí logo questionei: "Mas isso com o aval da Câmara de Vereadores?". Dois dias depois da publicação desta reportagem, recebi um comentário do vereador Vinícius de Cecílio Luz (PSDB) dizendo que "as informações a cerca do destombamento do casarão da Cidália, mas é importante mencionar que isso não se dá por lei, o Prefeito não consultou e não havia a obrigação de consultar a Câmara para isso. É feito por decreto e não por lei.", afirmou o parlamentar jataiense.

DESRESPEITAR, VANDALIZAR E DESTRUIR A MEMÓRIA DE JATAÍ É UMA FORTE TRADIÇÃO CULTURAL DA CIDADE

O famoso "Casarão da Cidália", que segundo o pesquisador e escritor Dorival Mello, já foi até Casa da Câmara (sede legislativa) era um dos casarões que mais preservava as características originais, embora necessitasse de uma urgente restauração. O casarão foi residência do ex-vereador vereador Flávio Francisco Vilela que juntamente com a ex-vereadora Cidália Vilela. A família Vilela, então dona do casarão, tem como parente ilustre, entre outros, o pré-candidato a prefeitura de Jataí, em 2016, e atual deputado federal, Leandro Vilela (PMDB).

Clique aqui e entenda que o descaso e o desrespeito com a memória histórica e cultural de Jataí sempre existiu. Violentar a história e a cultura da cidade é, lamentavelmente, uma tradição que passa de geração em geração. Confira aqui. Mas nem tudo é desgraça. Alguns casarões de Jataí foram restaurados, como você pode conferir aqui neste blog.


Em junho de 2009, o então vereador Gênio Eurípedes Cabral de Souza (PSDB) que, à época presidia o Legislativo Jataiense, pediu formal e oficialmente à prefeitura - naquele momento, também era comandada pelo, hoje prefeito, Humberto de Freitas Machado (PMDB) - que a mesma adquirisse o casarão da ex-vereadora Cidália Vilela, localizado para que, naquele local, fosse implantado a Casa do Carreiro – um museu com a farta história dos pioneiros de Jataí. “Um museu histórico bem localizado e com uma estrutura ampla, como é o caso daquele casarão, poderá acrescentar muito aos estudantes e à comunidade em geral. Servirá também de palco para várias exposições, palestras e outros eventos”, afirmou Gênio Eurípedes, naquela oportunidade.


MAS... QUEM FOI CIDÁLIA VILELA?

Ex-vereadora Cidália Vilela, dona do casarão, falecida em 2012.
Generosa. Caridosa. Amável. Uma mulher guerreira e simples. Era assim que, durante todos os inúmeros anos em que humildemente serviu à população de Jataí, sobretudo a menos-favorecida, a ex-vereadora Cidália Vilela era (re)conhecida e chamada até que, na noite da sexta-feira, 27 de janeiro de 2012, aos 86 anos, sua morte por complicações cardíacas deixou enlutou a cidade.

A humilde senhora morava no seu casarão construído no início do Século XX - respeitando o estilo colonial "o chique" daquela época - bem no no centro de Jataí (GO), nos cruzamentos da avenida Goiás, com a rua Zeca Lopes. 

Por vários mandatos legislativos consecutivos, a vereadora Cidália Vilela era uma personalidade política raríssima, pois falava muitíssimo pouco (somente o essencial), fugia dos holofotes da mídia (eu mesmo tive muitas dificuldades em conseguir entrevistas com ela, mas acabava conseguindo porque ela me dizia que confiava em mim enquanto jornalista/radialista), e trabalhava muito! Tão muito que descansava por pouco tempo, pois era muito assediada por pessoas carentes que viam, nela, uma oportunidade de socorro ou de amenizar suas mazelas.

Em suas inúmeras ações sociais, Cidália Vilela se destacava naturalmente, como consequência de suas ações "pura e simplesmente", ajudando inúmeras, incontáveis famílias humildes que a ela recorriam para obterem algum auxílio em suas necessidades essenciais, seja com medicamentos, alimentação ou por meio de doações de roupas. A alta popularidade de Cidália Vilela também vinha de seu labor na educação. Antes de ser vereadora, Cidália foi professora do ensino fundamental. 



O cantor sertanejo Tony Francis, nascido e criado em Jataí (GO) e que ficou nacionalmente conhecido após sua participação, em 2002, no extinto programa "Fama", da TV Globo, ele que foi uma das "crias" de Cidália Vilela, lamentou emocionado e revoltado, em sua conta na rede social Facebook. Postando imagens do casarão de sua saudosa "mãe", Tony Francis escreveu que, junto com a destruição do antigo casarão, uma parte dele, Tony Francis, "morreu". Assim escreveu o artista jataiense:

"Quando vi a imagem do casarão no chão verteram-me lágrimas nos olhos. Não vou entrar em mérito político. Sou estudante de Direito e conheço um pouco das leis do nosso país...Me lembro quando fui para o casarão da Cidália Vilela. Tinha 13 anos de idade (minha segunda mãe, devo muito a ela). Vivi muitos momentos importantes da minha vida ali, inclusive quando fui escolhido para o Fama da Rede Globo,contei pra tia Cidália ali no casarão... Ela chorou comigo e me disse: "menino voa. Você nasceu pra voar... Hoje tô aqui em São Paulo buscando esses mesmos sonhos e voando graças a ela que sempre acreditou em mim! Morre um pouco da minha história com esses tijolos no chão!"

O cantor continuou escrevendo: "Doces de acerola, todos os pés do quintal. Doces de figo do quintal. ... Para dar de presente para quem a ajudava nas doações a quem precisava... Ali tem história gente! A história da Cidália vereadora por quatro mandatos. E quem a conheceu, sabe quem ela foi, e chora comigo como estou chorando agora! Essa é só uma parte da história. Quantas serenatas nas madrugadas do dia das mães! Quem mora no edifício Maria Bárbara (prédio em frente ao local onde existia o casarão) sabe disso! Triste 😢 não vou nem quero culpar ninguém! Morreu um pedaço de mim hoje! Todas as vezes que estou na minha cidade passo ali e paro e rezo agradeço por ter vivido ali o período mais importante de minha vida! Muito triste! O dinheiro, capitalismo selvagem, vale mais que história né!", desabafou Tony Francis.


Cantor sertanejo Tony Francis: "morreu um pedaço de mim."
Eu, por vários momentos, tive a oportunidade de adentrar naquele casarão. Ali dentro, já gravei entrevista com a saudosa Dona Cidália Vilela. Sempre transitei por sua calçada. E o motivo que levou-me a produzir esta reportagem foi a mesma indignação e revolta que tomou conta de centenas de pessoas ao tomarem conhecimento deste fato absurdo. Eu, como jornalista, quero que esta reportagem fique perpetuada aqui na internet para mostrar às futuras gerações que a cidade de Jataí é uma cidade - exceções à parte - onde a cultura de seu povo é a cultura do descaso, da agressão e da destruição de sua própria história, de sua identidade, de suas memórias. 

Um povo culturalmente acéfalo. Uma classe política (se é que há alguma classificação nestes casos) negligente, supostamente (segundo denúncias de internautas) corrupta a ponto de burlar leis (repito, segundo denúncias de internautas) e que deram um duro e terrivelmente doloroso golpe na história e na cultura desta cidade neste domingo 27 de dezembro de 2015. A data em que um rico patrimônio histórico e cultural de um povo - o povo de Jataí (GO - virou pó e, no intervalo de um por e de um nascer do sol, simplesmente - e para todo o sempre - desapareceu, passando a existir apenas em saudosos registros fotográficos como os que ilustram esta reportagem. Até quando vamos ser um povo que "mata", que "apaga" a sua própria identidade? A sua própria história? A sua própria existência?


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